fazia algum tempo que ninguém me pedia um texto.
na semana passada, uma colega (que eu poderia dizer que é da faculdade, mas, na verdade, é só do bar, mesmo) me falou: você precisa escrever sobre desapego.
aí eu comecei a pensar: putz. desapego. desapego é complicado. desapego é contar pra quem tá lendo que ele não vai ganhar nada continuando enfiado em algo pelo hábito. desapego é desmistificar o amor romântico que tudo suporta — mesmo se o assunto for amizade. desapego é precisar explicar que não adianta de nada insistir em dar murro de ponta de faca só pra provar pra si mesmo que tentou até o fim. falar de desapego é precisar falar que é melhor provar pra si mesmo que só escolheu ficar bem.
aí tá. passou.
ontem a noite, depois de chegar de uma comemoração de aniversário de uma pessoa maravilhosa que conheci há pouquíssimo tempo, voltei a ponderar: qual foi a última coisa da qual eu me desapeguei?
primeiro, achei que tivessem sido dos livros. aí lembrei que também doei e vendi alguns dvds. mas aí lembrei que tinha um cara me dando no saco que eu mantinha contato por ser amigo da família que eu também mandei passear.
e depois lembrei que coloquei um monte de roupa que não servia e tava super socada no fundo do armário na bolsa de doação. e lembrei também que além de tudo isso eu desapeguei do hábito ruim de falar sim por impulso e tenho falado vários nãos. mas aí pensei melhor e meu coração apertou quando eu lembrei de qual tipo de desapego ela tinha pedido pra eu falar.

ela tinha pedido pra eu escrever sobre aquele desapego que dói, sabe? aquele que a gente tira com a mão. aquele desapego que aparece na nossa vida como se fosse um soco na cara. aquele que é igual era jogar mertiolate na ferida nos anos 90. aquele que significa fazer uma escolha, sabe? ela tava falando de desapegar de algo que nem sempre é ruim, mas muitas vezes acaba ficando e a gente precisa fazer alguma coisa a respeito.
ela tava pedindo pra eu falar que a gente precisa deixar ir pra conseguir ser bem feliz. ela tava falando daquele desapego que a gente precisa ter pra conseguir seguir a vida sem chorar ao ouvir músicas que todo mundo ouve dançando. ela veio me pedir pra escrever sobre o desapego que a gente precisa ter pra voltar à vida com alegria.
o que ela veio me pedir — vocês não imaginam como foi esse pedido — foi pra eu escrever sobre como a gente precisa abrir o peito pra receber o novo, como a gente precisa voltar no b-a-ba do sentimento pra não se deixar cair, como a gente precisa abrir mão pra voltar a respirar em paz.
eu acho que a gente sempre sabe que precisa desapegar das coisas, sabe?
a gente sabe mesmo, o nosso peito sabe, a mente sabe, o coração sabe. é que a angústia fala mais alto e a gente se habitua a ter por perto. mas, olha, eu vou te falar: a gente precisa olhar pra dentro pra lembrar os porquês. entende?
tudo tem a ver com os porquês. você, eu, a gente precisa respirar muito fundo e tentar decifrar de onde veio esse impulso de parar. uma hora a gente precisa parar de tentar e isso vem de dentro.
a gente tem que entender os porquês pra deixar ir.
e, já que você me pediu pra falar de desapego, eu vou falar sem papas na língua: se você acha que deixar ir é uma merda, é porque nunca pensou no absurdo que é se segurar no vento. o tapa dói e você nem entende de onde vem.
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