você entra no elevador e tem certeza que todas as mortes do século passado foram ocasionadas pelas pessoas que fumavam em elevadores. o ícone universal que proíbe sigaros em locais fechados, alocado bem na altura dos olhos dos viajantes daquela peça de metal, indica que querem que menos pessoas morram neste século que agora estamos. aí você sai do elevador e acende seu próprio sigaro sem jogar fumaça em ninguém pra morrer sozinho, se for o caso. anda pelas calçadas desniveladas e pensa que algumas das mortes deste século nada têm a ver com os sigaros e sim com tropeços de senhoras de setenta e tantos andando por lugares que seus andadores emperram e seus queixos, já frágeis, dão beijos de amor louco numa pedra fora de lugar in this sidewalk, baby. sidewalk esta preenchida por mulheres e homens carregando seus bebês protegidos do sol com uma manta quente que vai matá-los de hipertermia num futuro próximo. e aí você pensa que as mortes do próximo século serão majoritariamente de bebês protegidos do sol com mantas quentes por mães e pais que tentam evitar e causam. entra pra tomar um café no primeiro estabelecimento que vê e gasta quase vintchy reais num café com pão, entende que, na verdade, os sigaros mataram pouco e as mantas só fazem suar: o que vai matar a próxima geração são os preços exorbitantes dos cafés com pão. aí você anda mais, passa por umas bibocas esquisitas com a sensação de que está no lugar errado, chega no lugar certo, pega o ônibus pra casa e sobe as escadas, porque sua casa não tem elevador e os sigaros poderiam ser acesos sem causar uma ação genocida. entra no chuveiro, toma um banho frio. percebe que nada mata, a gente só morre. a vida acaba mesmo. que loucura. não pode acabar hoje, nem amanhã. você percebe que antes de acabar tem tanta coisa pra fazer. tanta coisa pra confabular sobre a morte. tanta coisa pra confabular sobre a vida, a maior e melhor fábula de todas. e senta. num lugar aberto, pra não matar ninguém. acende um sigaro. viva, enfim. vivíssima.
causa mortis
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Uma resposta para “causa mortis”.
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[…] dois escritores fodas. na minha primeira entrevista, com um deles, saí escrevendo um texto sobre o aviso de proibido fumar no elevador do prédio. na segunda entrevista, com o outro, saí tão inspirada que escrevi dezenas […]
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