tinha muita coisa acontecendo e é por isso que não me culpo, mas já faz uns sete anos desde que a marília saiu pela porta e eu nunca mais a vi. é estranho a pessoa sair pela porta pra comprar cigarros e não voltar mais. até porque naquele dia a gente tinha decidido: a gente ia casar e pronto. foda-se todo mundo, as ex, os ex, quem ia vir depois, quem nunca chegou a chegar. a gente tinha decidido que ia dar uma pausa na nossa história ali: era nosso momento de criar um para sempre sem data de expiração. a gente tinha decidido, ela foi comprar cigarros pra gente brindar como a gente sempre brindava – e como deve brindar todo casal que fuma, mas não bebe – e como a gente se acostumou a comemorar qualquer coisa. ela saiu e foi atropelada de um jeito tão sem brilho que o meu primeiro impulso foi gritar pela janela: MARÍLIA CÊ SÓ PODE ESTAR B-R-I-N-C-A-N-D-O. e ela não tava, nunca voltou com os cigarros, foi dali direto pro hospital e do hospital direto pro velório horroroso que eles fizeram cheio de flores pra ela – eles nunca souberam que ela odiaria aquilo tudo. ela gostaria mesmo era de um monte de gente sentada no bar que a gente ia pra fumar e beber tônica com limão, falando dela a noite toda pra eu observar e comentar com o espírito mariliês que eu tenho certeza que ia ficar zanzando por ali. é óbvio que a gente era ateu porque todo mundo é ateu agora, mas ninguém fica ateu depois de ver a sua recém-noiva ser atropelada na porta de casa. e foi tão ridículo, tá ligado, foi tão ridículo que acho que é por isso que eu não quis acreditar no momento que vi. ela simplesmente saiu correndo pra atravessar a rua mais rápido do que ÚNICO CARRO que tava passando. foi isso: entrou pra estatística de quem vai comprar cigarros e não volta. o foda é que ela nem era pai de ninguém, tá ligado, nem faz tanto sentido assim. mas ela foi. e nem o cigarro comprou. tinha muita coisa acontecendo e é por isso que não me culpo, mas já faz uns sete anos desde que a marília saiu pela porta e eu nunca mais a vi. faz sete anos que eu parei de fumar, porque desde que ela saiu pela porta e nunca mais voltou não tem mais nada pra comemorar por aqui.
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