O John Lennon vivia num mundo paralelo onde tudo é lindo e every day in every way it’s getting better and better. Por aqui, 40 anos depois dele ter morrido com 40 anos, everyday é tempo demais. Em 2020 faz mais sentido citar Cazuza, que faz 30 anos que morreu aos 32. Ele tinha alguma familiaridade com a tristeza, um ar meio underground. Combinava com a dor. Eu sou metódica e me desentendo com a melancolina. Sofrer não cabe na agenda. E ficar triste CAGA meus planos.
Dia desses, o mundo pesou demais. Não consegui fazer absolutamente nada durante três dias inteiros. Nada. O tanto que demorei na revisão semanal pra reagendar tudo não tá nem escrito. O Todoist tá até zonzo. Porque, assim, né, estamos no meio de uma pandemia. Caótica. O governo está abrindo as portas, antes do vírus ter sido contido, para que as pessoas voltem às ruas. Tem baile rolando. Só tá em casa quem sabe de cabeça o café preferido da Starbucks. O resto do mundo tá vivendo. Ou melhor, morrendo. Então, sim, eu fiquei desolada e completamente paralisada pelo caos.
É inevitável que o mal estar causado pelo mundo tire a gente do eixo, mas quem planeja cada passo sofre ainda mais quando a vida decide que não se importa com o que você tinha intenção de fazer. Nesse dia que acordei triste, muito triste, inconsolável, chorei em todas as trocas sociais que fiz. Participei das reuniões sem ligar a câmera e deixei o microfone no mudo para chorar e soluçar em paz. Me arrastei pelos dias com a sensação de que o mundo era demais pra mim. Foram três, consecutivos. Sem conseguir fazer, efetivamente, nada. De corpo presente, sentindo que não daria conta de mais um minuto. E dando conta de mais muitos minutos. A vida foi acontecendo e eu não tomei as rédeas de nada. A vida foi acontecendo e eu não fiz planos. Deixei acontecer.
É uma loucura pensar no poder de um dia ruim. Eu estava sem energia alguma no corpo. Absolutamente fraca, limitada. Não conseguia pensar. Focada na dor que passeava pelo meu corpo sem pressa pra ir embora. E o trabalho nem me permitiu beber até esquecer. O banheiro é a igreja de todos os bêbados e eu sequer pude rezar. Os dias seguiram, sozinhos, sem minha intromissão. Não fiz o que estava planejado. Ninguém morreu. Não dei satisfação.
Ninguém perguntou.
Hoje acordei menos triste. O peso do mundo ainda está nas minhas costas, mas consegui cumprir algumas tarefas simples. Enviei arquivos, fiz umas duas ou três telas bonitas no ppt, revisei informações, liberei materiais pra produção. Fiz o que dava. E percebi que é perfeitamente possível deixar as coisas pra depois, se for preciso. Eu fiquei três dias sem cumprir nenhuma tarefa e ninguém morreu. Life is what happens to you while you’re busy making other plans. Tudo sobreviveu sem mim enquanto eu tentava sobreviver em mim. Não decidi, ainda, se é assustador ou um alívio. E quando perguntarem o que houve, vou dizer que era instabilidade na Net, acredita? Malditos. Outra vez vou me esquecer pois nestas horas pega mal sofrer. Pensei em escrever um texto para me justificar. Mas já faz uma semana. Ninguém perguntou. Vou aproveitar o silêncio.
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Esse é o último texto da série Plano de Contingência de Pandemia. 🙂
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