escrever e amar com a vida inteira

o chimichurri, a pimenta e a casa cheia

sabe que eu moro sozinha já faz um tempão e eu verdadeiramente fico pouquíssimo sozinha? a maior parte do tempo tem alguém aqui comigo: uma amiga por vídeo, no mínimo; uns dez viados ao mesmo tempo, no máximo. sozinha, quando fico, fico às seis quando acordo e quero ler e tocar violão e escrever meu livro. essas coisas que eu preciso fazer sozinha.

aí eu tava na casa de uns amigos nesse final de semana e resolvi ir no mercado comprar frios pra fazer um sanduíche de café da manhã. ninguém tinha acordado, exatamente como de costume e como esperado, e eu fui lá, com meu fiel fone de ouvido, caminhando no sol.

esses momentos sempre são valiosos pra mim, porque me fazem ser muito grata por poder escolher quando eu vou sair de casa e não ser obrigada a sair todos os dias, no sol e na chuva, pra ir pro escritório. e também são momentos que eu valorizo porque acho que tem algo de muito poético em caminhar por aí ouvindo um som.

eu tava assim: caminhando, ouvindo um som, na boa.

aí cheguei ali no mercado, que era bem pertinho. e peguei os frios. eu ia pegar pão francês, mas a fila tava enorme e eu decidi que ia zanzar pra ouvir a música até o final sem a interrupção da conversa com o operador de caixa. entre o corredor de molhos e o de produto de limpeza, encontrei o céu: a prateleira de temperos.

tinham alguns tipos de temperos que eu já tenho em casa, mas o chimichurri me saltou os olhos. além do meu ter acabado, era uma embalagem com 120g. é muito chimichurri. e eu uso muito chimichurri – por isso, acabou.

mas, como eu disse, a minha casa vive cheia. e aí uma compra, que era pra ser um alívio de solitude num final de semana com a família dos meus amigos, se tornou um momento de autoanálise.

vejam bem.

eu sou muito fã de pimenta. e o chimichurri com pimenta facilita minha vida, porque aí eu não preciso adicionar pimenta calabresa. só retoco a pimenta do reino e o sal no final, mas o nível de ardência fica no ponto que eu gosto.

mas é claro que as coisas não são absolutas.

e o chimichurri sem pimenta agrada muito mais pessoas. e, como minha casa vive cheia, eu olhei pra prateleira e me perguntei se levaria o chimichurri com pimenta, sem pimenta ou um de cada.

minha cabeça pensou o seguinte: um de cada é muito. o com pimenta dá conta do meu dia a dia. mas e quem for comer, se não gostar de pimenta?

mas acontece que eu passei tanto, mas tanto, mas tanto tempo tentando escolher o tempero que agradaria as visitas que eu nem lembro quando foi a última vez que comi algo com a ardência que eu gosto. ou feijão com coentro. ou espaguete de abobrinha.

porque as pessoas ao meu redor não curtem, eu fui deixando pra lá pra deixar a galera feliz aqui.

mas acontece que eu entrei em outras. eu tô em outras.

eu tô precisando respirar. sabe?

eu tô precisando da ardência. entende?

eu tô precisando fazer o que eu quero. e ponto.

escrevi isso uma vez: fazer o que eu quero num mundo onde tudo que a gente faz é o que eles querem.

então, sim, eu comprei o chimichurri com pimenta.

mas esse não é um texto sobre temperos.

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